01 abril 2009

Pedro Passos Coelho - A falsa acusação socialista

O primeiro-ministro, José Sócrates, acusou recentemente o PSD de estar sem programa desde que "faliu o pensamento único" expresso, segundo ele, na ideia de que qualquer intervenção do Estado "seria nociva" e de que "o liberalismo selvagem entregue ao interesse egoísta de todos os agentes económicos responderia a todos os problemas do mundo". Esta acusação foi feita em ambiente de campanha eleitoral europeia, o que permite descontar algum exagero nas imagens utilizadas. Mas trata-se, no essencial, de uma acusação falsa que não pode ficar sem resposta.

Em primeiro lugar, o PSD nunca esteve próximo de qualquer "pensamento único" e afirmou-se historicamente na sociedade portuguesa como um dos redutos a partir dos quais foi possível combater em Portugal as correntes mais dogmáticas e de raiz totalitária que prescreviam, por exemplo, o caminho para o socialismo e o da colectivização, a irreversibilidade das nacionalizações ou a reserva de participação da iniciativa privada em muitos sectores importantes da economia. As revisões constitucionais que assinalaram a derrota desse "pensamento único" incluíram também o partido socialista, mas convém recordar que os socialistas preferiram, durante muito tempo, que fosse sobretudo o PSD a fazer as despesas da afirmação contra tal modelo de sociedade no nosso país. Permanecerá elucidativo que a revisão que permitiu reverter as nacionalizações tenha ocorrido tão tarde que quase foi contemporânea da queda do muro de Berlim e com ela da falência real do tal paradigma de "pensamento único", que ficou simbolizado no designado Bloco de Leste, centrado na antiga União Soviética.

E isto porque o Partido Socialista teve receio de avançar mais cedo para o modelo de economia de mercado do que, como a generalidade das sociedades livres e tolerantes, acabámos por implantar.

Pretender agora que o PSD se tornou herdeiro do "liberalismo selvagem" é tão ridículo como absurdo por contrário à evidência, quer histórica quer presente. Como partido social-democrata de raiz reformista, personalista e liberal nunca o PSD poderia estar sequer na vizinhança de um programa que fosse menos atento ou que até desprezasse as exigências de equidade e justiça social que uma sociedade evoluída deve ter. E, como é sabido, esse é um dos fundamentos que preside, entre outros, à necessidade de intervenção correctora do Estado. Por outro lado, o facto de alguém defender uma economia de mercado baseada na livre iniciativa não significa que se assuma a defesa da sacralização do próprio mercado, pois que é sabido que até a noção de eficiência tão cara ao jogo de mercado apela à intervenção reguladora do Estado. Por estas razões, o PSD, quer no governo quer na oposição, sempre defendeu e empreendeu o caminho da implantação e defesa do chamado Estado social e da regulação económica.

Claro que o primeiro-ministro, José Sócrates, sabe que tudo isto é verdade. Porém, ele encontra-se na situação de as coisas lhe interessarem mais por serem convenientes do que por serem ou não verdadeiras. E ao primeiro-ministro parece sobretudo convir-lhe poder colar o partido adversário que é o PSD ao anátema da crise global supostamente filiada no "liberalismo selvagem", personificado nos Estados Unidos da América pré-Obama. Mesmo que a colagem seja absurda como é, mesmo que tal filiação seja falsa como também é, e mesmo que para isso tenha ele próprio de forjar um discurso que o aproxima mais de Francisco Louçã do que o risco eleitoral que isso importa parece aconselhar.

Ao atacar o PSD com estes argumentos e com este discurso o primeiro-ministro José Sócrates consegue apenas colocar-se na posição do aprendiz de feiticeiro, que para impressionar o público acaba vítima das suas próprias acções mal estudadas. Os eleitores não andam à procura de falsos bodes expiatórios para os problemas agravados com a crise global. O país precisa de esperança para o futuro e de confiança nas instituições e nos agentes políticos. Estar hoje contra o "pensamento único" é não ter medo de dizer que, se a economia de mercado em que vivemos é imperfeita, o que precisamos é de a melhorar e não de a destruir. É também dizer que, se a democracia em que vivemos começa a parecer-nos demasiado frágil e incompleta, o que precisamos é de a robustecer e aprofundar e não de a maldizer ou fragilizar.

Se a vida começa a parecer mais difícil do que gostaríamos, o remédio não está em torná-la num inferno ainda maior mas em encontrar saídas mais audazes. Mas isso não se consegue convertendo o lucro no diabo, os bancos e as empresas na ganância, o Estado na resposta para tudo, os impostos no milagre das rosas e por aí fora.

Se José Sócrates pensa que, com estes anátemas sobre o PSD, consegue seduzir o voto útil do eleitorado moderado contra a ameaça da esquerda radical, então está o primeiro-ministro muito enganado. Com este discurso oportunista, José Sócrates consegue pelo contrário convencer o eleitorado moderado de que o PS só não se entenderá no futuro com o Bloco de Francisco Louçã por quaisquer razões de ordem pessoal, já que politicamente o discurso os vai aproximando. E quem sabe se, no fundo, essa não será a verdade.

Militante do PSD, gestor
In Jornal de Negócios (01/04/2009)

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