27 março 2009

Euro bond

No passado fim de semana, fui dar uma volta à Curia, para assistir ao encerramento da Universidade da Europa 2009 e receber o meu diploma pela frequência da Universidade da Europa 2008. No almoço com João de Deus Pinheiro - de balanço do trabalho dos deputados do PSD no Parlamento Europeu - a dada altura, é dito pelo orador, numa referência ao eurodeputado Silva Peneda: "Um eurodeputado muito respeitado, que propôs recentemente uma 'Eurobond', e eu [João de Deus Pinheiro] ainda não ouvi um bom argumento contra". Eu tenho um problema de personalidade grave: não resisto a este tipo de desafios, em especial quando dizem respeito a Economia e, embora não saiba se algum eurodeputado costuma andar pela "Blogósfera", fica aqui o meu "argumento contra".

O que é a Euro Bond? Simples: emissão única e centralizada de dívida pública. Em vez de haver dívida pública alemã, espanhola ou portuguesa, emitida por cada Estado Membro, passa a haver um único

emissor de dívida pública, um "instituto de dívida pública europeu". Porquê? Citando directamente do site do PSD Europa, o proponente Silva Peneda argumenta:

Segundo Silva Peneda, para haver mais investimento é necessário que "o crédito seja acessível e barato, mas tudo aponta para que nos próximos tempos ele seja escasso e muito mais caro parapaíses mais vulneráveis, como é o caso de Portugal."

Estes países enfrentam dificuldades acrescidas de financiamento pelo que Silva Peneda defende a possibilidade de passar a haver, a nível da zona euro, um único emitente central de dívida pública europeia, que é, aliás, o cenário mais compatível com a sustentabilidade do euro a longo prazo.

O crédito para Portugal está mais caro? Sim, está. A última emissão de dívida pública portuguesa foi vendida com uma taxa de juro a rondar 4,5% quando os alemães, por exemplo, pagam pouco mais de 3%. Diversos países - notavelmente o "Club Med" i.e., Itália, Grécia, Portugal e Espanha - estão a pagar mais pelas suas obrigações. As taxas de juro de longo prazo na Europa estão a divergir. "AH! Então é preciso corrigir isso... não faz sentido que na Zona Euro cada um pague uma taxa diferente, para bem da estabilidade do Euro", estarão alguns prontos a responder.

Pois, aqui reside o centro da questão: é que isto é a correcção, não algo a corrigir. É que há uma confusão comum quando se fala de Moeda Única: numa zona monetária o Risco Cambial - ou seja, que a moeda de um país se dirija para "sul" e, se o país for muito endividado ao estrangeiro, leve a economia à bancarrota (favor ver Leste Europeu para um exemplo muito prático e demasiado actual!) - é substituido por Risco de Crédito. O primeiro - risco cambial - não desaparece...é transformado em risco de crédito. E este último é um pouco mais facil de gerir.

Traduzindo em "lingua de gente": não vamos à falência por cambios, mas se nos endividamos demais ficamos mais pobres relativamente aos parceiros e pagamos mais juros! O facto de estarmos na zona Euro, garante-nos um mercado para colocar a nossa dívida muito mais "profundo" e "estavel", o que não aconteceria se ainda tivessemos o Escudo. Na nossa situação actual, e tendo o Escudo, não teriamos grande oferta de crédito. No Euro temos oferta que chegue e sobra, simplesmente temos de pagar um pouco mais.

É preciso regressar a 1998 para entender-mos uma questão com o Euro. Quando a zona Euro é criada existe um medo justificado e partilhado por muitos economistas: que a maior parte da zona face "free riding" ao risco alemão. Ou seja, que o mercado assuma que, numa crise, a Alemanha safa todos. Muitos economistas argumentaram que a zona Euro não iria sobreviver por isto... era como que um "almoço gratis" que ia ser dado. Países como Portugal, que no inicio da década pagavam taxas de juro a dois digitos iriam poder endividar-se às "taxas alemãs", que rondavam os 3 por cento. E neste sentido sim, o Euro foi um incentivo ao endividamento.

Foi por esta razão que se criou o Pacto de Estabilidade e Crescimento - que, nota de rodapé não era estúpido e se tivesse sido cumprido como estipulado não estariamos a ter esta discussão. Era preciso garantir que os Estados aderentes à moeda única tinham uma "regra legal de estabilidade orçamental" e, numa época de crise, teriam espaço e credibilidade orçamental para estabilizar as suas economias.

"Pois Guilherme... isso aconteceu porque não existiu unidade orçamental e unidade politica numa união monetária, pelo que a emissão única de obrigações é a solução!", costuma ser a resposta que me é dada. Mas ignora a história. Não é a primeira vez que a Europa tem integração monetária. Império Austro-Hungaro (1867-1919) é o exemplo mais próximo do que temos hoje no Euro: muitas regiões com um enorme grau de autonomia politica e financeira, duas monarquias fiscalmente sem união, e uma moeda única gerida por um banco central supra-nacional com um mandato único para garantir a estabilidade dessa mesma moeda e proibido de salvar regiões ou alguma das monarquias. Familiar não é? Pois... bastante! Resultou? Bastante bem, para a época. A moeda era estavel, o Império beneficiou de enorme desenvolvimento económico, mesmo na face de muita tensão nacionalista interna. Só uma coisa fez ruir esta união monetária: a Primeira Guerra Mundial. O Império foi desintegrado pelos Aliados no pós-Guerra (Tratado de Versailles) e lá se foi a União Monetária da Dinastia dos Habsburgo.

Moral da história? Uma União Monetária não precisa de ter como base uma união política e fiscal. Necessita sim de uma regra que obrigue os Estados Membros a uma política de credibilidade fiscal. Esta regra pode ser legal - Pacto de Estabilidade e Crescimento, exigido pela Alemanha aquando da sua entrada no Euro - ou de mercado - a regra no Império Austro-Hungaro e o que está a ocorrer hoje na Europa. A última é simples: países mais irresponsaveis pagam mais até corrigirem as suas trajectórias. E isto é essencial à estabilidade do Euro. Na ausência de um destes mecanismos - e note-se que o PEC já não é um mecanismo credivel, pois ninguém o cumpre, cumpriu, pois ele era "estúpido"! - sofreremos o mesmo destino de uma outra união monetária do final do seculo XIX: a União Latina (Espanha, Grécia, Itália, Sérvia, Suiça, Lichenstein, Venezuela, França, Estados Papais). Esta ruiu exactamente porque não havia união fiscal e não havia nenhuma regra.

Voltando à Euro bond: a proposta visa eliminar este mecanismo de taxas de juro e caminhar para a União Fiscal. Ora, nem a primeira é desejável nem a segunda é necessária para a estabilidade do Euro a longo prazo. Uma euro bond é basicamente pedir um "subsidio" aos alemães. Nós pagamos menos em taxas de juro - eles pagam mais, pois os riscos estão agregados - e deixou de haver incentivos para a prudência. "Para quê se podemos sempre, em crise, pedir aos alemães, em última análise, que paguem a nossa festa?", será o pensamento do dia.

E para aqueles que me vão responder que União Fiscal e mais União Política serão sempre mais estaveis que este sistema de "regras", eu respondo muito simplesmente: Numa União Monetária existe dois riscos de estabilidade - fora factores externos como Guerras Mundiais - risco horizontal e vertical. Horizontal é o risco que temos sem União Fiscal e muito autonomia de cada membro. A solução passa por regras - legais ou de mercado. A Vertical é que, numa união fiscal e política não homogénea, como seria a UE se avançamos por este caminho, se corre o risco de abusos fiscais do "centro" ou pelo menos, medo desses mesmos abusos, que formam expectativas que desestabilizam a estabilidade da Moeda!

Ou seja, na fuga para a frente e na fúria de fazer algo para combater a crise, arriscamo-nos a plantar as sementes do fim do Euro.

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